É preciso entender que o fato de trabalhar bem sozinho não faz de você autossuficiente

Por Marina Oliveira e Caio Lauer

“Sem grande solidão, nenhum trabalho sério é possível”. Embora essa frase tenha sido proferida por Pablo Picasso, considerado um dos maiores e mais influentes artistas do século 20, o isolamento não se popularizou em nossa cultura. Há algumas décadas, vem se disseminando a visão de que o ser humano não só é mais feliz ao viver em grupo, como trabalha melhor e produz mais no coletivo.

O “brainstorming”, como é chamada a técnica de reunião em que os participantes expõem livremente suas ideias, para chegar a uma solução criativa, virou modelo de inspiração corporativa. Até a estrutura física de muitas empresas mudou por conta disso. Hoje, quanto menos paredes e divisórias existirem entre os profissionais de um setor, melhor. Assim, todos podem se ver e se comunicar facilmente.

No entanto, esse modelo de trabalho já tem sido criticado por alguns estudiosos da psicologia organizacional. Adrian Furnham, professor de psicologia da UCL (University College London), no Reino Unido, por exemplo, é autor de inúmeros artigos que visam desmistificar o “brainstorming”. Ele critica o fato de muitas empresas não encorajarem os seus profissionais a trabalharem sozinhos, pelo menos uma parte do tempo.

Nessa discussão, um novo personagem do mundo corporativo ganha destaque: aquele profissional que cria mais e melhor quando está sozinho, em silêncio e quando não é obrigado a passar cada pensamento seu pelo crivo dos outros membros da equipe. “Esse profissional funciona com o diálogo interno e não externo. Dentro da cabeça dele, passa muita informação, um turbilhão de ideias”, afirma José Roberto Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Coaching.

Ele não é necessariamente tímido, mas introvertido. E as duas características são bem diferentes. De acordo com a autora do livro “O Poder dos Quietos” (Editora Agir), Susan Cain, timidez é o medo de receber um julgamento ruim, enquanto introversão é simplesmente a preferência por um ambiente menos estimulante, por exemplo, com menos interferência de pessoas ou barulhos. Ao passo que timidez é desconfortável, a introversão não é.

“A pessoa pode ser extremamente sociável mas, na hora de criar, no trabalho, preferir atuar sozinha”, explica Kely de Paiva, coordenadora do Departamento de Ciências Administrativas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Equilíbrio entre os extremos

Para Waleska Farias, especialista em gestão de carreira e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas), todo profissional deveria ser estimulado a agir das duas maneiras, ou seja, trabalhar em grupo, mas, também, ter a liberdade de criar sozinho.

“É certo que a disponibilidade para a colaboração e o compartilhamento de ideias no ambiente de trabalho é um excelente recurso na hora de inovar. Mas não se pode ignorar a capacidade que alguns profissionais têm de, sozinhos, pensarem diferente e encontrarem novas soluções”, diz.

O introvertido se sairá tão bem no ambiente corporativo quanto o extrovertido se entender que o fato de trabalhar bem sozinho não faz dele alguém autossuficiente. “Quando necessário, o profissional precisa se dispor a trabalhar em equipe”, diz Waleska. “Em projetos que demandam idealização e inovação, várias pessoas pensando juntas promovem um espectro maior de possibilidades”, afirma.

Também será necessário aprender a desistir de projetos próprios, vez ou outra, para incorporar ideias de outros profissionais. “Na solidão, o profissional não precisa abrir mão de alguns pensamentos. Mas atuar em um ambiente colaborativo implica em dividir a criatividade e a responsabilidade, porque todos vão dar ideias para chegar a uma nova concepção”, finaliza Kely.

Fonte: Uol