Pode até não parecer, mas a interação entre você e o seu chefe nunca será estritamente objetiva e impessoal. De forma inconsciente, vocês poderão reproduzir entre si relações que tiveram com pais, mães, irmãos e outras figuras importantes da infância.

É o que demonstra um estudo da pesquisadora Anna Urnova, da escola de negócios INSEAD. Com base em entrevistas qualitativas, a estudiosa aponta que as experiências familiares dos executivos têm impacto direto sobre seu comportamento no trabalho, e podem ser a chave para compreender uma enorme gama de conflitos.

Primogênitos ou filhos únicos, por exemplo, têm mais chances de criar laços fortes com seus chefes, enquanto profissionais que nasceram em famílias pequenas têm mais dificuldade para lidar com equipes numerosas, diz Urnova.

As descobertas não trazem nada de novo: apenas retomam o conceito de transferência, emprestado da psicanálise. De forma simplificada, o fenômeno ocorre quando você desloca sentimentos da infância, geralmente direcionados a figuras parentais, para pessoas da sua vida adulta — aí incluídos colegas de trabalho, gestores e subordinados.

O pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), foi o primeiro a identificar essa dinâmica. Embora o conceito permaneça relativamente desconhecido no mundo corporativo, diz o psicanalista Michael Maccoby, diversos estudos já comprovaram que transferências positivas estão diretamente relacionadas à produtividade.

“Imagine um funcionário convicto de que seu chefe gosta dele como gostaria de um filho”, escreve Maccoby em artigo para a Harvard Business Review (HBR). “Para garantir que isso aconteça, ele fará esforços sobre-humanos para agradá-lo (…) e, contanto que sinta que suas expectativas são correspondidas, continuará a trabalhar duro, o que beneficiará a organização em geral”.

Exemplos reais

“A família é a nossa primeira ‘empresa’ e nossos pais e irmãos são a nossa primeira ‘equipe de trabalho’”, escreve o consultor britânico Roger Jones na HBR. É por isso que as experiências vividas na infância influenciam tão profundamente as relações entre gestores e seus subordinados.

Um exame da sua própria biografia pode trazer algumas explicações sobre a sua atitude no trabalho. Na sua casa, as reações emocionais eram encorajadas ou reprimidas? De que forma um evento traumático, como uma grave perda material ou a morte de um parente, afetou as relações entre os membros da família?

As respostas a questões desse tipo podem explicar uma grande variedade de comportamentos indesejados: da incapacidade de delegar tarefas à dificuldade de se aproximar de um liderado.

Jones traz exemplos reais (com nomes fictícios) para esclarecer a ideia. O primeiro é Peter, um CEO de uma multinacional cuja atitude fria e distante deixava seus funcionários desmotivados e improdutivos. Após um trabalho de análise, ele percebeu que estava imitando seu próprio pai, um ex-militar que raramente se aproximava dos filhos.

O segundo caso é o de John, líder manso e carinhoso que fazia o máximo possível para evitar conflitos na equipe. O problema é que ele era incapaz de demitir pessoas, mesmo quando isso era absolutamente necessário. Não por acaso, ele era o “pacificador” da família quando criança, e frequentemente apartava os outros irmãos em suas brigas constantes.

Dá para mudar?

Reconhecer a influência de histórias antigas no seu comportamento atual —algo possível, em muitos casos, apenas com a ajuda de um psicanalista — pode trazer um imenso benefício para você e para as pessoas com quem você trabalha.

Não que isso seja fácil. Em muitos casos, explica Jones, essas informações permanecem “soterradas” no inconsciente da maioria das pessoas, e é muito difícil trazê-las à luz. Além disso, mesmo aqueles que reconhecem suas próprias questões podem não querer mudá-las, ainda que tragam uma grande dose de sofrimento para si mesmos e para os demais.

O esforço, porém, vale a pena. “Muitas vezes, simplesmente reconhecer que o líder e outros profissionais estão reproduzindo antigas dinâmicas familiares pode levar a mudanças significativas e melhorar o desempenho da equipe”, escreve o consultor.

Fonte: Exame.com