Aposentar-se não significa parar de trabalhar. Dos idosos de 60 anos ou mais que ainda permanecem no mercado de trabalho, 51,6% dos homens e 44,4% das mulheres são aposentados. Um avanço considerável sobre os números de 1983, quando foi instituída a Política Nacional do Idoso. Naquele ano, as proporções eram de 39,7% para os homens e 17,5% para as mulheres, o que atesta a maciça entrada feminina no mercado de trabalho nos últimos 33 anos, além do envelhecimento da população e do aumento da formalização. A avaliação de 32 pesquisadores sobre os impactos da política que deu origem ao Estatuto do Idoso é exposta no livro “Política Nacional do Idoso, velhas e novas questões”, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e lançado na última sexta-feira.

— Isso mostra que boa parte dos aposentados continua trabalhando e que pode ser adotada a idade mínima. Em média, os homens ficam mais quatro anos trabalhando após a aposentadoria. O problema é ver em que condições. Não se pode dar uma canetada e virar a página. É preciso pensar em políticas conjuntas, ver o papel das empresas para vencer o preconceito contra o idoso, melhorar a mobilidade urbana. Se um jovem já sofre de ficar mais de duas horas no transporte, imagina o idoso. Tem que se pensar em políticas de saúde, para diminuir o absenteísmo, e educacionais, para superar o atraso tecnológico. O trabalho é importante para a integração social, principalmente para os homens — afirma a economista Ana Amélia Camarano, uma das organizadoras do livro, juntamente com Alexandre de Oliveira Alcântara e Karla Cristina Giacomin.

A cobertura maior da Previdência Social depois da Constituição Federal de 1988 — que instituiu a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada para os idosos e deficientes pobres, ambos sem necessidade de contribuição — também explica essa participação maior dos aposentados no mercado de trabalho.

Essa população de trabalhadores idosos conseguiu vencer o preconceito que os vem expulsando cada vez mais cedo do mercado, ressalta Jorge Felix, pesquisador do grupo Políticas para o Desenvolvimento Humano do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política, da PUC-SP. É dele o capítulo sobre o idoso e o mercado de trabalho.

— Até pouco tempo atrás, trabalhar depois da aposentadoria era uma jabuticaba brasileira. Em poucos países é permitido se aposentar ainda trabalhando, mas, com a crise na Europa, isso passou a acontecer em alguns países, onde os aposentados foram obrigados a voltar ao mercado. O problema é que, no mundo inteiro, os trabalhadores estão sendo expulsos cada vez mais cedo.

A idade mínima para aposentadoria tem subido em países desenvolvidos para 62, 63 anos, mas não resolveu o problema do financiamento do sistema previdenciário, diz Felix. No Brasil, estuda-se estabelecer 65 anos como idade mínima, que não é exigida na hora de requerer o benefício.

— O mercado não absorve os trabalhadores em quantidade suficiente depois dos 45 anos. Antes, o mercado expulsava aos 55, depois baixou para 50, e agora é com 45 anos. As reformas de Previdência estão sendo debatidas descoladas das metamorfoses que houve no mercado de trabalho — diz Felix.

Para o estudioso, o trabalhador fica mais vulnerável na segunda metade da carreira. Quando acontece depois do 40 anos, a demissão leva à informalidade, o que o impede de atender às condições para se aposentar, diz Felix. Na força de trabalho idosa masculina, 43% são conta própria, e 14,3% são não remunerados. Quase 60% estão em atividades sem proteção social. Entre as mulheres, 23,6% são não remuneradas.

MAIS 45 MILHÕES DE IDOSOS EM 2050

Paula Carvalho, de 61 anos, trabalha desde jovem, mas só conseguiu comprovar 12 anos de contribuição. Para se aposentar por idade, ainda precisa recolher INSS por mais três anos. Mesmo por idade, exige-se uma contribuição mínima de 15 anos.

— Trabalho fazendo cabelo, depilação, por conta própria. Não tenho dinheiro para pagar INSS — diz Paula, que é viúva, mas não recebe pensão.

Sem uma política para manter o trabalhador maduro no mercado, pode aumentar o número do que Ana Amélia chama de “nem-nem” adulto: pessoas de 50 anos ou mais que nem trabalham nem recebem aposentadoria. A situação ainda é mais comum entre a população feminina, apesar da forte queda observada entre 1983 e 2014, de 59,8% para 33,4%, refletindo a entrada da mulher no mercado de trabalho. Com os homens, aconteceu o contrário: era de 5,3% em 1983, caiu para 3,5% dez anos depois e subiu para 7,2% em 2014.

A preocupação é que a pobreza na velhice aumente. O temor existia nos anos 1970, quando a população brasileira ainda se expandia com força. A Constituição instituiu a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Como esses benefícios não exigem contribuição, entre as propostas em estudo para a reforma da Previdência está desvincular o reajuste dos valores daquele do salário mínimo, corrigindo-os apenas pela inflação. O mínimo tem política de valorização ligada à expansão do Produto Interno Bruto (PIB) registrada dois anos antes.

— A dinâmica de toda a economia não é promissora para a empregabilidade futura. Os países precisam criar regulamentação para mitigar esse descarte do trabalhador maduro — diz Felix.

As políticas adotadas com a Constituição fizeram cair a quantidade de idosos sem rendimento entre 1983 e 2014. Entre as mulheres, passou de 34,3% para 12,4%. Entre os homens, permaneceu baixa, mas subiu um pouco, de 2,3% para 3,4%.

Ana Amélia chama a atenção para o fato de que a população de 15 a 59 anos vai diminuir até 2050 em 7,33 milhões, reduzindo a oferta de mão de obra. Já a população de 60 anos ou mais vai subir exponencialmente: serão mais 45 milhões até lá.

— A demografia vai trabalhar a favor da inclusão no mercado — diz Ana Amélia.

Outro desafio de ficar trabalhando mais é a baixa escolaridade. Apesar do aumento, ainda é baixa a instrução nessa faixa etária. Em 2014, 77,2% eram alfabetizados, contra média brasileira de 91,7%. Em 1983, eram 51,9%. Os anos de estudo também aumentaram: passaram de 2,1 para cinco, na mesma comparação.

— Os futuros idosos serão mais escolarizados, o que pode facilitar sua absorção pelo mercado.

Alexandre Szabo Júnior tem 88 anos e se aposentou no fim nos anos 1980, depois que fechou uma lanchonete que tinha em um hospital em Nova Friburgo:

— Passava 15, 16 horas em pé. Era muito sacrifício, não consegui continuar trabalhando.

Sua mulher, Agostinha Vittoruzzo Szabo, de 83 anos, também está aposentada. Era fazia os salgados, bolos e pizzas que abasteciam a lanchonete. Cada um recebe um salário mínimo.

Fonte: O Globo